Há anos tento ler Friedrich
Nietzsche. Ainda na adolescência cheguei a ler duas biografias mas,
nunca me senti inteligente o suficiente para chegar aos seus livros…
a essência da sua corrosiva filosofia. Em momentos rebeldes, ainda
passeei por “Anticristo: a maldição do cristianismo” mas não
conseguia entender as entranhas da sua linguagem.
Eis que no doutorado me deparo
com “Além do bem e do mal”. Precisava dar uma aula na disciplina
de um professor-sociológo-filosófo alemão…. Sim! Iria falar para
um conterrâneo de Nietzsche. Mergulhei em seu mundo. Confesso que
saí bem diferente. Ninguém lê o texto de Nietzsche e sai do mesmo
jeito que começou.
'Além
do Bem e do Mal' é uma obra inesgotável. Nietzsche o permeia de
razão mas, sobretudo, de emoção ao provocar nos leitores profunda
imersão em suas reflexões muitas vezes ácidas, muitas vezes
poéticas. É quase impossível ler Nietzsche e ficar à margem dele.
Um
dos temas principais do
livro é uma crítica à
precariedade cultural e espiritual do seu tempo. Ele afirma a
necessidade de que, no eterno retorno da vida e da história humana,
os homens se ergam, aceitando a própria finitude, ultrapassando a
própria condição e vivendo soberanamente no gozo e na dor da
própria verdade. Começa
o livro fazendo uma reflexão sobre a verdade, ou melhor, a vontade
da verdade já que é
preciso questionar o valor dessa vontade. Assim, faz uma crítica à
crença fundamental da metafísica na oposição de valores, na
medida em que, a verdade é ofuscada pela aparência, à vontade do
engano, ao egoísmo e a cobiça. Os
juízos mais falsos são indispensáveis: renunciar a esses juízos é
renunciar a vida. A filosofia que se atreve a enfrentá-lo está além
do bem e do mal.
Nietzsche faz uma severa crítica
aos estoicos
na perspectiva destes de viver conforme a natureza. Na verdade viver
é absolutamente o oposto disso. Viver é avaliar, preferir, ser
injusto, ser limitado e querer ser diferente. A
filosofia é um impulso tirânico, a mais espiritual vontade
de poder (capacidade,
autoridade, domínio) – toda força propulsora. Assim,
a própria vida é a vontade de poder.
Nietzsche diz que o homem vive
acomodado em um mundo simplificado e falso. É nesse terreno de
ignorância
que a ciência estabelece a vontade de saber sobre a base de uma
vontade mais forte: a vontade de não saber. A ciência busca prender
a esse mundo simplificado, completamente fabricado. Assim, todo homem
seleto procura se salvar da multidão, onde possa esquecer a regra
‘homem’
enquanto exceção a ela, “toda
companhia é má, exceto a companhia dos iguais”.
Com relação às virtudes,
Nietzsche diz que o que é alimento para um homem superior deve ser
quase veneno para um tipo menor. As virtudes de um homem vulgar
talvez significassem fraqueza e vício num filósofo. Um homem de
alta linhagem, se degenerar ou sucumbir, adquire qualidades que o
levariam a ser venerado como um santo, “não
se deve frequentar igrejas quando se deseja respirar ar puro”.
Só
a 'vontade de poder' que obriga ao homem se deter na frente do santo,
ou seja, interrogá-lo.
No
último capítulo do livro,
Nietzsche faz a pergunta: o que é nobre? Nesse momento ele vai
melhor descrever sua concepção sobre a moral dos senhores e a moral
dos escravos. Portanto, a moral dos senhores, entre outras
características, é originada dentro de uma espécie dominante.
Despreza os seres que divergem dos estados de elevação e orgulho. A
oposição entre 'bom' e 'ruim' é 'nobre' e 'desprezível'.
Despreza-se o covarde, o medroso, o mesquinho – não é a moral das
'ideias modernas'.
Ele
quis libertar o homem…. para
isso, nos dá
todas as direções
do
tortuoso caminho:
“É
preciso testar a si mesmo, dar-se provas de ser destinado à
independência e ao mando; e é preciso fazê-lo no tempo justo. Não
se deve fugir às provas, embora sejam porventura o jogo mais
perigoso que se pode jogar e, em última instância, provas de que
nós mesmos somos as testemunhas e os únicos juízes. Não se
prender a uma pessoa: seja ela a mais querida – toda pessoa é uma
prisão, e também um canto. Não
se prender a uma pátria: seja ela a mais sofredora e necessitada –
menos difícil
é desatar de uma pátria
vitoriosa o coração. Não
se prender a uma compaixão: ainda que se dirija a homens superiores,
cujo martírio
e desamparo o acaso nos permitiu vislumbrar. Não se prender a uma
ciência: ainda que nos tente com os mais preciosos achados,
guardados especialmente para nós. Não
se prender a seu próprio desligamento, ao voluptuoso abandono e
afastamento do pássaro que ganha sempre mais altura, para ver mais e
mais coisas abaixo de si: - o perigo daquele que voa. Não
nos prendermos às próprias virtudes e nos tornarmos, enquanto todo,
vítimas de uma nossa particularidade, por exemplo, de nossa
‘hospitalidade’:
o perigo por excelência para as almas ricas e superiores, que tratam
a si mesmas prodigamente, quase com indiferença, exercitando a
liberdade ao ponto de torná-la um vício. É
preciso saber preservar-se: a mais dura prova de independência”
(Friedrich Nietzsche)
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