quinta-feira, 17 de março de 2016

Internet e ação coletiva: os movimentos sociais que nascem na rede digital

Definitivamente, a tecnologia não pode ser mais vista como uma espécie de simples mediadora entre o indivíduo e o mundo. Há uma relação cada vez mais contínua de projeção da vida ‘on line’ nas sociabilidades. A determinação de comportamentos e modos de se relacionar não significa que se tem, na prática, uma sociedade tecnocrática, mas sim uma cultura amplamente tecnológica.
Com o advento da cibercultura as formas de comunicação sofrem um profundo impacto. Nos anos 90, o filósofo francês Pierre Levy já dizia que a virtualização promove aspectos muito particulares na relação das pessoas com os lugares e remete a características com a ubiquidade e simultaneidade. Uma das maiores mudanças vem de uma característica típica da cultura virtual que estabelece relações deslocando interconexões espaciais e temporais nas mobilizações e engajamentos.
O mundo virtual simula o mundo real da mesma maneira que o altera de acordo com as necessidades. Levy aponta, como exemplo, a possibilidade de explorar uma imagem virtual muito diferente da aparência física cotidiana, inclusive simular relações simbólicas que promovam uma espécie de comunicação que se reconfigura em torno de um universo de signos compartilhados.
A virtualização apresenta o desprendimento do aqui e agora. Mas isso não enfraquece a base de afinidades. Mesmo estando no campo do ‘não-presente’ há um misto de sentimentos e envolvimentos por parte das comunidades em rede. “A virtualização reinventa a cultura nômade, não por uma volta ao paleolítico nem às antigas civilizações de pastores, mas fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se configuram com um mínimo de inércia”, diz Levy. Essas interações sociais adquirem características próprias que refletem as possibilidades das redes telemáticas: ubiquidade, simultaneidade e distribuição massiva.
É claro que o desenvolvimento das tecnologias da informação potencializa essas dimensões. Redes horizontais de comunicação multidirecional potencializam as interações e transformam a estrutura social. Um grande exemplo disso diz respeito aos diversos movimentos originados pela internet que eclodiram em várias partes do mundo. São movimentos urbanos que têm a característica reivindicatória própria dos movimentos sociais tradicionais, mas que tem como característica principal de ação coletiva a mobilização pela internet e suas diversas ferramentas de comunicação.
No Brasil, os movimentos organizados pela internet eclodiram em 2013 e, assim como os demais, provocaram um grande impacto e importantes discussões sobre o destino das mobilizações tendo como base a internet como o principal centro de agrupamento e articulação. Há algumas características importantes desses movimentos que incluem uma grande difusão das manifestações entre segmentos da população e locais onde não há grandes repertórios de contestação; a ausência de uma reivindicação comum; a velocidade surpreendente de propagação dos focos de protesto e a massiva mobilização de segmentos e pessoas que não participavam de organizações sociais ou políticas.
Mas é importante ressaltar que o impacto que a internet apresentou nas formas de mobilização e engajamento não se encerram no mundo virtual. A força dessa nova forma de ação coletiva se mede na ocupação dos espaços públicos. É  preciso pensar que o uso da Internet não conduziu a um domínio de ações e movimentos virtuais que têm precedência sobre as mobilizações em "espaço físico". Pelo contrário, desde 2011, a ocupação de espaços públicos urbanos e, em particular, lugares simbólicos, estão no centro destes movimentos. Enquanto a internet é um espaço virtual global, os usos das redes sociais de ativistas têm contribuído mais para construir movimentos nacionais ou locais. As redes sociais pela internet não têm substituído os meios de comunicação de massa na divulgação das ações. 
O sociólogo Manuel Castells chama de ‘espaço de autonomia’ essa nova forma de engajamento e articulação de grande quantidade de pessoas através da mobilização feita na internet. A potencialização do que é articulado no ‘virtual’, em rede, ganha corpo e locais definidos na ocupação do espaço urbano, através das manifestações nas ruas. O autor chama de ‘rede das redes’  esse tipo de movimento que se articula sem um núcleo institucional centralizado.


Há características definidas que transformam os movimentos sociais criados nesse ‘espaço de autonomia’. Seria uma nova forma espacial dos movimentos sociais que são articulados na rede. 1. Simultaneidade local e global: como essa organização é desterritorializada, a possibilidade de acesso às informações se torna cada vez mais fácil e viral. Para o autor, esses movimentos surgem com motivos locais, a partir de demandas mais restritas (como, por exemplo, o preço da tarifa de ônibus), mas, também são globais porque, através da rede, é possível compartilhar experiências e estimular o envolvimento e outros tipos de mobilizações; 2. Espontâneos em sua origem: a gênese desses movimentos que são gerados a partir da indignação compartilhada na rede e o poder do das mídias sociais; 3. Os movimentos são virais: o caráter difuso das manifestações segue a lógica das redes na internet. Assim, a ‘aproximação’ de manifestações em outros lugares estimula a mobilização. Isso se percebeu nos movimentos que foram deflagrados em países como Egito, Espanha e Brasil.
Mas há autores que contestam essa afirmação de Castells com relação a espontaneidade dos movimentos que, por si só, são organizados pela internet. Para o cientista político Marcelo Silva, que escreveu um interessante artigo chamado “#vemprarua: o ciclo de protestos de 2013 como expressão de um novo padrão de mobilização contestatória?”, os meios de comunicação de massa acabam difundindo essa ideia e que, na verdade, há tensões e grupos articulados por trás dos movimentos em todo o mundo.

O sociólogo Nestor Garcia Canclini também analisa as alterações nas mobilizações sociais mediadas pelas redes sociais digitais. Muito mais do que trazer novos paradigmas nas formas de encontrar-se, escrever e falar, as “mobilizações relâmpago” ou “flash mobs” são organizadas pelas redes de comunicação digital para uma série de reivindicações e mobilizações que, mesmo fora da mídia, há um grande apelo popular.

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