Definitivamente, a
tecnologia não pode ser mais vista como uma espécie de simples mediadora entre
o indivíduo e o mundo. Há uma relação cada vez mais contínua de projeção da
vida ‘on line’ nas sociabilidades. A
determinação de comportamentos e modos de se relacionar não significa que se
tem, na prática, uma sociedade tecnocrática, mas sim uma cultura amplamente
tecnológica.
Com o advento da
cibercultura as formas de comunicação sofrem um profundo impacto. Nos anos 90,
o filósofo francês Pierre Levy já dizia que a virtualização promove aspectos
muito particulares na relação das pessoas com os lugares e remete a
características com a ubiquidade e simultaneidade. Uma das maiores mudanças vem
de uma característica típica da cultura virtual que estabelece relações
deslocando interconexões espaciais e temporais nas mobilizações e engajamentos.
O mundo virtual simula
o mundo real da mesma maneira que o altera de acordo com as necessidades. Levy aponta,
como exemplo, a possibilidade de explorar uma imagem virtual muito diferente da
aparência física cotidiana, inclusive simular relações simbólicas que promovam
uma espécie de comunicação que se reconfigura em torno de um universo de signos
compartilhados.
A virtualização
apresenta o desprendimento do aqui e agora. Mas isso não enfraquece a base de
afinidades. Mesmo estando no campo do ‘não-presente’ há um misto de sentimentos
e envolvimentos por parte das comunidades em rede. “A virtualização reinventa a
cultura nômade, não por uma volta ao paleolítico nem às antigas civilizações de
pastores, mas fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se
configuram com um mínimo de inércia”, diz Levy. Essas interações sociais
adquirem características próprias que refletem as possibilidades das redes
telemáticas: ubiquidade, simultaneidade e distribuição massiva.
É claro que o
desenvolvimento das tecnologias da informação potencializa essas dimensões.
Redes horizontais de comunicação multidirecional potencializam as interações e
transformam a estrutura social. Um grande exemplo disso diz respeito aos
diversos movimentos originados pela internet que eclodiram em várias partes do
mundo. São movimentos urbanos que têm a característica reivindicatória própria
dos movimentos sociais tradicionais, mas que tem como característica principal
de ação coletiva a mobilização pela internet e suas diversas ferramentas de
comunicação.
No Brasil, os
movimentos organizados pela internet eclodiram em 2013 e, assim como os demais,
provocaram um grande impacto e importantes discussões sobre o destino das
mobilizações tendo como base a internet como o principal centro de agrupamento
e articulação. Há algumas características importantes desses movimentos que
incluem uma grande difusão das manifestações entre segmentos da população e
locais onde não há grandes repertórios de contestação; a ausência de uma
reivindicação comum; a velocidade surpreendente de propagação dos focos de
protesto e a massiva mobilização de segmentos e pessoas que não participavam de
organizações sociais ou políticas.
Mas é importante
ressaltar que o impacto que a internet apresentou nas formas de mobilização e
engajamento não se encerram no mundo virtual. A força dessa nova forma de ação
coletiva se mede na ocupação dos espaços públicos. É preciso pensar que o uso da Internet não
conduziu a um domínio de ações e movimentos virtuais que têm precedência sobre
as mobilizações em "espaço físico". Pelo contrário, desde 2011, a
ocupação de espaços públicos urbanos e, em particular, lugares simbólicos,
estão no centro destes movimentos. Enquanto a internet é um espaço virtual
global, os usos das redes sociais de ativistas têm contribuído mais para
construir movimentos nacionais ou locais. As redes sociais pela internet não
têm substituído os meios de comunicação de massa na divulgação das ações.
O sociólogo Manuel Castells
chama de ‘espaço de autonomia’ essa nova forma de engajamento e articulação de
grande quantidade de pessoas através da mobilização feita na internet. A
potencialização do que é articulado no ‘virtual’, em rede, ganha corpo e locais
definidos na ocupação do espaço urbano, através das manifestações nas ruas. O
autor chama de ‘rede das redes’ esse
tipo de movimento que se articula sem um núcleo institucional centralizado.
Há características
definidas que transformam os movimentos sociais criados nesse ‘espaço de
autonomia’. Seria uma nova forma espacial dos movimentos sociais que são
articulados na rede. 1. Simultaneidade local e global: como essa organização é
desterritorializada, a possibilidade de acesso às informações se torna cada vez
mais fácil e viral. Para o autor, esses movimentos surgem com motivos locais, a
partir de demandas mais restritas (como, por exemplo, o preço da tarifa de
ônibus), mas, também são globais porque, através da rede, é possível
compartilhar experiências e estimular o envolvimento e outros tipos de
mobilizações; 2. Espontâneos em sua origem: a gênese desses movimentos que são
gerados a partir da indignação compartilhada na rede e o poder do das mídias
sociais; 3. Os movimentos são virais: o caráter difuso das manifestações segue
a lógica das redes na internet. Assim, a ‘aproximação’ de manifestações em
outros lugares estimula a mobilização. Isso se percebeu nos movimentos que
foram deflagrados em países como Egito, Espanha e Brasil.
Mas há autores que
contestam essa afirmação de Castells com relação a espontaneidade dos
movimentos que, por si só, são organizados pela internet. Para o cientista político
Marcelo Silva, que escreveu um interessante artigo chamado “#vemprarua: o ciclo de protestos de 2013 como expressão de um novo
padrão de mobilização contestatória?”, os meios de comunicação de massa
acabam difundindo essa ideia e que, na verdade, há tensões e grupos articulados
por trás dos movimentos em todo o mundo.
O sociólogo Nestor Garcia
Canclini também analisa as alterações nas mobilizações sociais mediadas pelas
redes sociais digitais. Muito mais do que trazer novos paradigmas nas formas de
encontrar-se, escrever e falar, as “mobilizações relâmpago” ou “flash mobs” são organizadas pelas redes
de comunicação digital para uma série de reivindicações e mobilizações que,
mesmo fora da mídia, há um grande apelo popular.
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