terça-feira, 8 de março de 2016

Amor e renúncia: a presença da mulher no Cangaço


Radiodocumentário Produzido em 2008

Diante do quadro de miséria e conservadorismo que se descortinava no sertão nordestino no início do século XX, as mulheres também eram vítimas. A educação da mulher sertaneja era resumida às habilidades nos trabalhos domésticos e a total obediência ao homem. Muitas eram vítimas da rigidez dos pais e, quando casavam, dos maridos.
Acompanhar os cangaceiros se tornava um atrativo porque eles eram considerados heróis pela comunidade sertaneja diante das muitas histórias que cercavam o cangaço. Era um misto de temor e fascínio por essa vida bandoleira sem respeitos às regras e normas vigentes. Até 1930, com a chegada de Maria Bonita no bando de Lampião, não havia mulheres cangaceiras porque os cangaceiros acreditavam que elas trariam discórdia e ciúmes. Alguns, como Corisco, por exemplo, eram casados, mas as mulheres não acompanhavam os maridos. 

Lampião conheceu Maria Gomes de Oliveira, Maria Bonita, no ano de 1929 na fazenda Malhada de Caiçara, perto do município de Santa Brígida, na Bahia. Ela tinha dezessete anos e era sobrinha de um coiteiro. Casada com o sapateiro José Miguel da Silva, Zé de Neném, ela viva em constantes desentendimentos com o marido. Para o historiador Antônio Amaury Corrêa, Lampião viu pela primeira vez Maria e passou a rodear a casa dos pais da jovem, apaixonou-se e no ano seguinte foi buscá-la para viver com ele. “Estava aberto o precedente. Dali pra frente, os chefes de grupos e muitos cabras passaram a se fazer acompanhar por amantes, amigas e até esposas”. 

Mais de quarenta mulheres passaram a participar dos bandos. Só da cidade sergipana de Poço Redondo, seis mulheres se tornaram cangaceiras. Mas, nem todas iam por vontade própria. Muitas eram carregadas das suas casas pelos cangaceiros, como Sila (mulher de Zé Sereno) e Dadá (mulher do Corisco). Assim explica o pesquisador Antônio Amaury Corrêa: “A Dadá, quando foi raptada por Corisco, essa sim com menos de treze anos, ela tinha doze anos, Corisco chegou à casa do pai da Dadá, no ano de 1927 e levou Dadá para companhia dele. Só que ele a deixou na casa de uma tia. Dadá ficou durante quatro anos na casa da tia de Corisco e quando Lampião levou Maria para sua companhia, Corisco tirou Dadá da casa da tia e fez com que ela fosse com ele para o bando. Ela conheceu Lampião no dia 24 de abril de 1931. Foi a primeira vez que Dadá viu Lampião e pelas circunstâncias que envolveram a vida dela no cangaço, acabou sendo uma chefe de grupo quando Corisco ficou aleijado dos dois braços”.

O pesquisador Jovenildo de Souza afirma que as mulheres deram um colorido especial e mais alegria a vida dos bandoleiros. Até para a dança do xaxado, foi uma revolução. O xaxado era dançado pelos cangaceiros com os seus rifles que eles chamavam: “Minha cara bina!”. Depois que as mulheres entraram, as carabinas foram substituídas por elas e, assim, podiam dançar seus cantos guerreiros. As mulheres tinham grande influência na vida e no comportamento dos cangaceiros, inclusive, segundo os historiadores, Maria Bonita era a única pessoa que conseguia se aproximar de Lampião quando ele estava irado, chegando até a conter sua ira. Havia grande respeito entre os cangaceiros e suas mulheres.

A entrada das mulheres no cangaço causou grande mudança no comportamento dos grupos. O senso de liberdade que o cangaço proporcionava, agora com a presença das mulheres, propiciou certa humanização na relação dos cangaceiros e suas vítimas. Mas para um cangaceiro em especial, chamado de Zé Baiano, a relação com as mulheres sempre foi conflituosa. Ele era conhecido pela sua crueldade ao ferrar o rosto ou nádegas das mulheres com as suas iniciais, “JB”. Era um hábito macabro que ele usava para vingar o espancamento sofrido por sua mãe por policiais que queriam saber do seu paradeiro. 

Esse cangaceiro também foi protagonista do mais violento drama passional que se tem notícia no cangaço. Zé Baiano levou Lídia, uma das mulheres mais bonitas a entrar no bando de Lampião, para viver com ele no grupo. Zé Baiano viajou por uns dias e Lídia aproveitou para encontrar-se com um cangaceiro chamado Beija Flor. Mas o casal foi flagrado pro outro cangaceiro chamado Coqueiro que ameaçou contar sobre a traição a Zé Baiano caso Lídia não fizesse sexo com ele. A cangaceira recusou a exigência e Coqueiro falou a Zé Baiano da traição da companheira. Ao romper do dia Zé baiano matou Lídia a cacetadas. Fraturara-lhe os braços e pernas com pauladas violentas e repetidas, por fim batera tanto na cabeça que esmagara-a, deixando a bela Lídia irreconhecível e, terminado o massacre, abrira uma cova enterrando-a. 

Mas havia um drama que era comum a quase todas as mulheres cangaceiras: o fato de abdicar da maternidade ou dos filhos que tinham. As crianças não eram bem vindas no bando, pois faziam barulho e poderiam chamar a atenção da volante. Os filhos das cangaceiras sempre eram escondidos e criados por coiteiros ou parentes dos cangaceiros. * Juliana Almeida – Jornalista e doutoranda em Sociologia

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