quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

#vertigemdigital? Um olhar sobre o livro de Andrew Keen

Como professora de cultura digital, me vi na obrigação de ler o livro tão badalado de um dos empreendedores pioneiros do Vale do Silício, Andrew Keen. “#vertigemdigital: porque as redes sociais estão dividindo, diminuindo e desorientando” traz um panorama de que pensam os “cabeças” do Vale do Silício, criadores das redes sociais mais influentes do mundo. Entre citações filosóficas, delírios foucaultianos e devaneios cinematográficos de Hitchcock, Andrew Keen traça um perfil bem pessimista do desenvolvimento das redes sociais digitais, seus impactos na nossa privacidade e identidade. Confesso que a leitura não me convenceu.
O livro é uma mistura de diário de bordo e experiências vividas pelo autor que o inquietaram a ponto de escrever o livro. Diante do cadáver do filósofo iluminista Jeremy Bentham que, para atender sua vontade, tem seu corpo exposto no Autoícone, na Universidade Oxford, ele desperta para os perigos da exposição sem limites e como, ele mesmo, tenta frear seus impulsos de compartilhamento na rede.
O futuro do mundo é social. Isso é dito em todo o livro. Seria, inclusive, uma profecia feita por Mark Zuckerberg, criador do Facebook. E isso não será nada bom. Segundo Keen “a mídia social hoje estilhaça nossas identidades, de modo que sempre existimos fora de nós mesmo, incapazes de nos concentrar no aqui e agora, aferrados demais à nossa própria imagem, perpetuamente revelando nossa localização atual, nossa privacidade sacrificada à tirania utilitária de uma rede coletiva”.
Ora, nós ainda não vivemos em uma sociedade tecnocrata e ainda impomos nossa vontade sobre a tecnologia. Somos bastante influenciados, sim. Mas o poder ainda está em nossa decisão do tamanho da exposição que teremos. Essa visão determinista de Keen realmente me incomoda durante toda a leitura.
Que a sociedade em rede se tornou um “bacanal transparente’ eu ate concordo. Há excessos em tudo. Não temos mais o tempo e o espaço como regulador das nossas ações. Como bem diz Manuel Castells “são espaços de fluxos e tempo intemporal”. É um outro plano de realidade. Keen parte de conceitos e afirmações que não  deixam clara sua linha de raciocínio. Ao dizer que TUDO se  tornará social, não é o bastante para entender todos os malefícios que a revolução tecnológica nos espera.
Assim como a Revolução Industrial mudou o rumo da humanidade, a revolução tecnológica tá cumprindo o seu papel. Difícil prever o futuro. Difícil entender uma sociedade que sai do fordismo para, segundo David Harvey, atuar na acumulação flexível. Estamos no meio das mudanças onde o analógico e o digital se encontram. Não temos como avaliar tudo isso “friamente” porque a revolução está acontecendo agora.
A questão que envolve a privacidade não é discurso novo. Richard Sennett traz no seu maravilhoso livro “O declínio do homem público”, que a intimidade no século XVIII já era algo discutido e os limites entre o que é público e privado também.
Keen destaca que estamos desenvolvendo um comportamento de rebanho, na perspectiva do “compartilhamento sem atrito” possibilitado pelas redes sociais. Ora, o que a cibercultura nos proporciona é um encontro por afinidades, uma renovada forma de ‘tribalização’ do mundo. Não há fronteiras para estabelecer laços que, por sinal, são multifacetados, fracos e especializados.
Ao citar Karl Marx, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo seus desejos; não a fazem nas circunstâncias  que eles mesmo escolhem, porém nas circunstâncias encontradas, dadas e transmitidas do passado”, Andrew Keen acaba ressussitando uma meta narrativa que o passado e o presente estão sempre em tensão e sempre recorremos à tradição para sustentar nossas práticas sociais.

Vivemos tempos líquidos, o velho Zigmunt Bauman já nos alertou. Há mudanças estruturais profundas. Não é uma visão rasa e apocalíptica que vai explicar toda sua complexidade. Dizer que as redes sociais estão cumprindo ou até substituindo o papel do Estado-Nação foi demais para o meu bom senso. Andrew Keen pode entender muito de empreendedorismo digital, mas para explicar os impactos sociais com equilíbrio e muita reflexão..... o buraco é mais embaixo!

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